O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) publicou neste domingo (14) um artigo no jornal The New York Times com duras críticas ao governo de Donald Trump e às recentes medidas comerciais impostas pelos Estados Unidos contra o Brasil. No texto, Lula afirmou que a democracia e a soberania nacional “não são negociáveis”, em resposta às pressões da Casa Branca após a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Além de defender a decisão da Justiça brasileira, Lula rebateu acusações de censura, destacou a redução do desmatamento na Amazônia e exaltou o Pix como ferramenta de inclusão financeira. O presidente também se disse aberto ao diálogo com Washington, mas alertou que o país não aceitará retaliações políticas ou econômicas.
Defesa da democracia e resposta a críticas
No artigo, Lula disse estar “orgulhoso da Justiça brasileira” e classificou como “falsas” as alegações de Trump sobre perseguição política e censura a empresas de tecnologia norte-americanas.
“Não se tratou de uma caça às bruxas”, escreveu o presidente, ao comentar a condenação de Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023.
Tarifas e comércio bilateral
O petista criticou a decisão de Trump de impor uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros. Segundo ele, a medida não tem justificativa econômica, já que os EUA acumulam superávit de US$ 410 bilhões no comércio com o Brasil nos últimos 15 anos.
Para Lula, a motivação da Casa Branca é política, especialmente em defesa de Bolsonaro.
Meio ambiente e combate ao desmatamento
Lula destacou ainda os avanços na área ambiental. Segundo ele, o Brasil reduziu pela metade o desmatamento na Amazônia nos últimos dois anos e apreendeu centenas de milhões de dólares em bens usados em crimes ambientais.
“Mas a Amazônia ainda estará em perigo se outros países não fizerem sua parte na redução das emissões de gases de efeito estufa”, alertou.
Pix e inovação financeira
Outro ponto defendido pelo presidente foi o sistema de pagamento instantâneo Pix. Lula afirmou que a ferramenta possibilitou a inclusão financeira de milhões de brasileiros e rejeitou as críticas de suposta concorrência desleal com empresas norte-americanas.
Diálogo com os EUA
Apesar das críticas, Lula disse estar aberto ao diálogo. Ele citou um discurso de Trump na ONU, em 2017, sobre respeito mútuo entre nações soberanas e destacou que essa deve ser a base da relação entre Brasil e Estados Unidos.
“Estamos abertos a negociar qualquer coisa que possa trazer benefícios mútuos. Mas a democracia e a soberania do Brasil não estão em discussão”, afirmou.
Confira abaixo o texto completo da carta de Lula para Donald Trump:
“Decidi escrever este ensaio para estabelecer um diálogo aberto e franco com o presidente dos Estados Unidos. Ao longo de décadas de negociações, primeiro como líder sindical e depois como presidente, aprendi a ouvir todos os lados e a levar em consideração todos os interesses em jogo. É por isso que examinei cuidadosamente os argumentos apresentados pelo governo Trump para impor uma tarifa de 50% sobre os produtos brasileiros.
Trazer de volta os empregos americanos e a reindustrialização são motivações legítimas. Quando, no passado, os Estados Unidos levantaram a bandeira do neoliberalismo, o Brasil alertou sobre seus efeitos prejudiciais. Ver a Casa Branca finalmente reconhecer os limites do chamado Consenso de Washington, uma receita política de proteção social mínima, liberalização comercial irrestrita e desregulamentação geral dominante desde a década de 1990, justificou a posição brasileira.
Mas recorrer a ações unilaterais contra Estados individuais é prescrever o remédio errado. O multilateralismo oferece soluções mais justas e equilibradas. O aumento da tarifa imposto ao Brasil neste verão não é apenas equivocado, mas também ilógico. Os Estados Unidos não têm déficit comercial com nosso país, nem estão sujeitos a altas tarifas.
Nos últimos 15 anos, acumulou um superávit de US$ 410 bilhões no comércio bilateral de bens e serviços.
Quase 75% das exportações dos EUA para o Brasil entram isentas de impostos. Segundo nossos cálculos, a tarifa média efetiva sobre os produtos americanos é de apenas 2,7%. Oito dos dez principais itens têm tarifa zero, incluindo petróleo, aeronaves, gás natural e carvão.
A falta de justificativa econômica por trás dessas medidas deixa claro que a motivação da Casa Branca é política. O vice-secretário de Estado, Christopher Landau, teria dito isso no início deste mês a um grupo de líderes empresariais brasileiros que estavam trabalhando para abrir canais de negociação. O governo dos EUA está usando tarifas e a Lei Magnitsky para buscar impunidade para o ex-presidente Jair Bolsonaro, que orquestrou uma tentativa fracassada de golpe em 8 de janeiro de 2023, em um esforço para subverter a vontade popular expressa nas urnas.
Tenho orgulho da decisão histórica tomada na quinta-feira pelo Supremo Tribunal Federal do Brasil, que protege nossas instituições e o Estado de Direito democrático. Não se tratou de uma “caça às bruxas”. A decisão foi resultado de um processo conduzido de acordo com a Constituição brasileira de 1988, promulgada após duas décadas de luta contra uma ditadura militar. Ela veio após meses de investigações que revelaram planos para assassinar a mim, ao vice-presidente e a um ministro do Supremo Tribunal Federal.
As autoridades também descobriram um projeto de decreto que teria efetivamente anulado os resultados das eleições de 2022. O governo Trump acusou ainda o sistema judiciário brasileiro de perseguir e censurar empresas de tecnologia americanas. Essas alegações são falsas. Todas as plataformas digitais, sejam elas nacionais ou estrangeiras, estão sujeitas às mesmas leis no Brasil.
É desonesto chamar regulamentação de censura, especialmente quando o que está em jogo é a proteção de nossas famílias contra fraudes, desinformação e discurso de ódio. A internet não pode ser um terreno sem lei, onde pedófilos e abusadores têm liberdade para atacar nossas crianças e adolescentes.
Igualmente infundadas são as alegações do governo sobre práticas desleais do Brasil no comércio digital e nos serviços de pagamento eletrônico e sua suposta falha em fazer cumprir as leis ambientais. Ao contrário de ser injusto com os operadores financeiros dos EUA, o sistema de pagamento digital do Brasil, conhecido como PIX, possibilitou a inclusão financeira de milhões de cidadãos e empresas. Não podemos ser penalizados por criar um mecanismo rápido, gratuito e seguro que facilita as transações e estimula a economia.
Nos últimos dois anos, reduzimos pela metade a taxa de desmatamento na Amazônia. Somente em 2024, a polícia brasileira apreendeu centenas de milhões de dólares em bens usados em crimes ambientais. Mas a Amazônia ainda estará em perigo se outros países não fizerem sua parte na redução das emissões de gases de efeito estufa.
O aumento da temperatura global pode transformar a floresta tropical em uma savana, alterando os padrões de precipitação em todo o hemisfério, incluindo o meio-oeste americano. Quando os Estados Unidos abandonam uma relação de mais de 200 anos, como a que mantêm com o Brasil, todos perdem. Não há diferenças ideológicas que devam impedir dois governos de trabalharem juntos em áreas onde têm objetivos comuns.
Presidente Trump, continuamos abertos a negociar qualquer coisa que possa trazer benefícios mútuos. Mas a democracia e a soberania do Brasil não estão em discussão. Em seu primeiro discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas em 2017, o senhor disse que “nações soberanas fortes permitem que países diversos, com valores, culturas e sonhos diferentes, não apenas coexistam, mas trabalhem lado a lado com base no respeito mútuo”.
É assim que vejo a relação entre o Brasil e os Estados Unidos: duas grandes nações capazes de se respeitar e cooperar para o bem dos brasileiros e dos americanos. Luiz Inácio Lula da Silva é o presidente do Brasil”.